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O Benfica no Portugal das Regiões

No Congresso da Associação Nacional de Municípios Portugueses de 2021, o primeiro-ministro António Costa apontou 2024 como o ano em que seria dada a "voz ao povo" na Regionalização. Promessa que repetiu na campanha eleitoral para as legislativas de 2022, onde obteve a maioria absoluta. Quer a sociedade civil, quer as elites, quer os meios de comunicação social portugueses, debatem regularmente a Regionalização de Portugal. O que significa este processo administrativo, e sociológico, para o Sport Lisboa e Benfica, o clube de Portugal?

O Benfica foi o primeiro clube português a ganhar um grande troféu na Europa, a Taça dos Clubes Campeões Europeus em 1961 e 1962 (e perdeu as finais de 1963, 1965, 1968, 1988 e 1990 - em 1983 perdeu a final da Taça UEFA e em 2013 e 2014 as finais da Liga Europa). O Benfica era “O” clube português na Europa, a bandeira de Portugal, o que ajuda a explicar o enorme apoio vermelho de norte a sul de Portugal, nas ilhas e também nas colónias africanas (até 1975 e depois). Este estatuto do Benfica começou a ser disputado pelo Futebol Clube do Porto ao ganhar a sua Taça dos Clubes Campeões Europeus em 1987 e no século XXI ao torna-se mesmo no clube com mais sucesso internacional em Portugal ao ganhar a Taça UEFA (2003), a Liga dos Campeões (2004) e a Liga Europa (2011). Como consequência, o estatuto do Benfica como o clube de Portugal na Europa é agora partilhado, e disputado, com o Porto. A hegemonia do Benfica na Europa era refletida também a nível nacional até ao início do século XXI: em 1991 tinha 29 títulos de campeão nacional de futebol e o Porto 11. Em 2022, o Benfica tem 37 títulos e o Porto 30. O crescimento do Porto quer na Europa, quer em Portugal, coloca agora o mesmo como clube que se projeta a nível nacional e não apenas no Porto e no Norte, a raiz histórica da sua identidade. A ascensão do Porto em Portugal e na Europa tem mesmo um paralelismo com a ascensão do Benfica até 1990.

Voltando à Regionalização, Portugal atualmente já tem 5 regiões, conhecidas como Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR): Algarve, Alentejo, Lisboa e Vale do Tejo, Centro e Norte. A estas regiões somam-se ainda as regiões autónomas da Madeira e dos Açores. As regiões continentais apesar de não terem legitimidade política, pois os seus cidadãos ainda não elegem os seus representantes, estão atualmente a criar uma legitimidade sociológica, muitas vezes incentivada pelos próprios interesses económicos, culturais e sociais dessas mesmas regiões. Por exemplo, o Porto explora esta relação através do seu canal de televisão por cabo, o Porto Canal, um canal não apenas do clube, mas também de toda a região, com programas de notícias, debate político, turismo, espaço de opinião e até entretenimento focados na região Norte. Seria possível imaginar um Benfica Canal, que para além do Benfica, tivesse também um espaço dedicado a visitar a região de Lisboa e Vale do Tejo e com debates políticos sobre a mesma?

A Regionalização levará inevitavelmente a uma maior consciencialização da população com a sua região e consequentemente com os seus clubes desportivos. Algo parecido já existe atualmente com o apelo para apoiar o clube da cidade, algo bastante presente em Braga ou Guimarães. Mas aqui estaremos a falar a uma escala diferente. É inegável que foi a força do Norte como região, o seu povo e as suas elites, que deram a base para o Porto se tornar um clube de projeção nacional e europeia, ao ponto de colocar em causa a hegemonia do Benfica em pouco mais de 30 anos. A região ao ganhar legitimidade política através do voto popular irá ganhar também uma legitimidade identitária e fará com que o equilíbrio entre apoiar o clube da região ou clube do país seja mais difícil de resolver do ponto de vista do individuo, que gostando do seu país também gosta da sua região, ainda para mais quando o clube regional é também um clube de projeção europeia. Atualmente, a Madeira e Açores já se apresentam como esse possível futuro do Portugal das Regiões, e apesar das mesmas não colocarem em causa o domínio dos clubes nacionais, a verdade é que clubes como o Marítimo ou o Santa Clara já se apresentam como os clubes representantes dos arquipélagos. Mas estamos a falar de regiões sem a população e os meios económicos necessários para criar a massa crítica exigida para alavancar clubes regionais.

Neste cenário tem-se de refletir sobre a natureza da própria região de Lisboa e Vale do Tejo. De todas as regiões portuguesas, é a que menos identidade própria tem. É uma construção relativamente recente, do início do século XX, quando as migrações internas de Portugal e depois da descolonização lhe deram a atual força demográfica. Mas afinal, qual é o clube da região de Lisboa e Vale do Tejo? O Benfica? Mas o Benfica é nacional. O Sporting Clube de Portugal? O Sporting também é nacional. E o Estrela da Amadora? Da Amadora obviamente, e talvez da Linha de Sintra. Estará algum clube apto a ocupar este espaço ou, pelo contrário, essa necessidade nem se colocará aos habitantes da região de Lisboa e Vale do Tejo? A questão parece não se colocar a Norte, o Porto é um clube de base regional e tem apoiantes a nível nacional, inclusive Lisboa. Mas poderá o Benfica tornar-se o clube da região de Lisboa e Vale do Tejo? Significará isso uma traição à sua matriz identitária, ou pelo contrário, é perfeitamente conciliável a realidade regional e nacional? A questão mais incomoda por ventura será saber se é possível manter uma base de apoiantes a nível nacional, considerando a fraca prestação europeia recente que mobilize o clube como no passado e uma performance nacional sofrível no mínimo.

Dentro da região de Lisboa e Vale do Tejo também é importante analisar a concorrência. O Sporting como o outro grande clube português passará pelo mesmo dilema, apesar da sua prestação europeia nunca o ter permitido uma projeção verdadeiramente nacional. E ainda os outros clubes da região que conseguem agregar um número interessante de apoiantes e têm projetos sólidos, como o Estrela da Amadora, Estoril, Belenenses, Cova da Piedade, Mafra ou Setúbal. Se o Benfica compete a nível nacional com o Porto, a nível regional é de prever que à medida que as cidades da região amadurecem e que novas gerações nascem nas mesmas, estes clubes continuarão a consolidar a sua identidade própria e, como consequência, a ganhar mais força de atratividade. E as próprias clivagens étnicas e sociais internas da região de Lisboa e Vale do Tejo poderão reforçar ainda mais essa mesma atratividade local. O Benfica ficará assim exposto em duas frentes de batalha: a luta por Portugal e a luta pela região de Lisboa e Vale do Tejo.  

A evolução de um clube é orgânica, contínua, imprevisível e mesmo anárquica. Os seus sócios e adeptos decidem o seu futuro com as suas ações, as suas iniciativas, as suas atitudes, e os seus defeitos também. O que parece claro é que o Benfica ainda não refletiu sobre a sua posição na região de Lisboa e Vale do Tejo e que ter como garantido o apoio da mesma pode não ser o mais ajuizado a longo prazo. Se o Porto já tem isso esclarecido, sendo um clube do Porto e do Norte com projeção nacional, será o Benfica capaz de se definir como um clube de Lisboa e Vale do Tejo com projeção portuguesa? Porto e Benfica parecem estar a caminhar assim para um equilíbrio identitário semelhante, apesar de com trajetórias contrárias, sendo que o Benfica ainda nem começou essa caminhada.

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